Pacientes submetidos a transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas freqüentemente desenvolvem uma doença imunológica causada pela reativação do enxerto nos tecidos do hospedeiro. Esta doença é chamada de doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) que no inglês chamamos de GVHD. A DECH geralmente é um distúrbio sistêmico e que compromete muitas vezes a cavidade bucal, principalmente em sua fase crônica (DECHc).
A DECHc oral é uma complicação comum do transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas, podendo ocorrer concomitantemente com a doença em outros órgãos ou apresentar-se como o local inicial ou único de envolvimento. Daí a importância do conhecimento, dos sinais e sintomas bucais da doença, por parte do dentista que acompanha esses pacientes. De acordo com os critérios de consenso do National Institutes of Health (NIH) para DECHc, as manifestações clínicas orais incluem inflamação com eritema e ulceração da mucosa oral (alterações semelhantes a líquen), atrofia da mucosa, mucoceles e diminuição da abertura bucal (trismo) secundária à esclerose da cavidade oral e tecidos periorais (semelhante à limitação na esclerodermia).
Os critérios também consideram sintomas, incluindo sensibilidade oral, dor, distúrbios do paladar e boca seca (disfunção das glândulas salivares mediada por linfócitos sendo o quadro semelhante à síndrome de Sjögren). Esses sinais e sintomas são semelhantes a outras doenças autoimunes e imunomediadas conhecidas, como acabamos de citar. Pacientes com DECHc salivar têm alto risco de cárie dentária. Esse risco é potencializado com o desenvolvimento do trismo que dificulta a higienização bucal. Esse, se associado a dieta cariogênica, são fatores que aumentam bastante o risco de cárie nesses pacientes.
A dor na mucosa oral pode ser desencadeada por produtos do creme dental como a menta ou o lauril (por isso é importante o uso de creme dental com prescrição odontológica). As ulcerações bucais rompem a barreira protetora que a mucosa oral exerce, aumentando o risco de bacteremia nesses pacientes. O acompanhamento odontológico frequente e manutenção da higiene bucal por parte do paciente ajudam a reduzir o risco de bacteremia.
As lesões orais da DECH crônica são comumente refratárias à terapia sistêmica imunossupressora; sendo nesses casos necessário o tratamento com terapia tópica associada à terapia sistêmica.
O tratamento oral da DECHc é feito comumente pelo dentista oncologista, profissional que comumente já faz parte da equipe multidisciplinar de transplante de células-tronco hematopoéticas. Também o acompanhamento odontológico oncológico a longo prazo desses pacientes é fundamental e recomendado pela literatura, devido ao risco do desenvolvimento de câncer oral que aumenta com o tempo.
Referências
Dean D, Sroussi H. Oral Chronic Graft-Versus-Host Disease. Front Oral Health. 2022 May 20;3:903154. doi: 10.3389/froh.2022.903154. PMID: 35719318; PMCID: PMC9205403.
Fall-Dickson JM, Pavletic SZ, Mays JW, Schubert MM. Oral Complications of Chronic Graft-Versus-Host Disease. J Natl Cancer Inst Monogr. 2019 Aug 1;2019(53):lgz007. doi: 10.1093/jncimonographs/lgz007. PMID: 31425593; PMCID: PMC6699578.